Fernando Neves de Almeida, responsável pela Boyden Portugal, abordou em entrevista à InfoRH o contexto atual do mercado de trabalho e da gestão de pessoas e o crescimento da multinacional de referência na área do Executive Search. "Gerir pessoas não é uma arte. Vem com a função que temos. Gerir bem pessoas é diferente. É inspirar, é formar, desenvolver.

Tornou-se responsável pela Boyden Portugal por acaso e à custa da compra de um barco à vela, que lhe valeu um almoço com o proprietário, e seu antecessor, e um convite para o substituir. Fernando Neves de Almeida, que fundou a consultora com o seu nome em 1993, cinco anos antes do convite que lhe foi endereçado, é hoje managing partner da empresa que se dedica ao executive search. Se fosse o próprio a recrutar não se teria recrutado a ele, mas, aparentemente – e como refere – “a coisa correu bem”.

De acordo com os dados mais recentes do AESC Report 2018, da autoria da Association of Executive Search and Leadership Consultants, a Boyden Portugal superou os resultados globais da Boyden World Corporation e os do mercado de executive search, alcançando um crescimento na ordem dos 10,3% na Europa e África. No último ano, a Boyden Portugal, mantendo a sua tendência de crescimento contínuo e sustentado, cresceu mais de 40%. No pódio do ranking global de performance da rede, que considera o indicador vendas, ponderado pelo PIB, a Boyden Portugal é apenas ultrapassada pela Dinamarca e Finlândia.

Como é que descreve o mercado de trabalho português atualmente?

Estamos, felizmente, a caminhar para uma situação de pleno emprego, segundo os dados que saíram recentemente. Já há muitos anos que não tínhamos uma taxa de emprego tão elevada – infelizmente não de trabalho altamente qualificado – ou uma taxa de desemprego tão baixa. Acredito que a tendência possa ser uma continuação desta diminuição. Para mim, não é muito relevante se é trabalho precário ou não, porque acho que isso é uma falsa questão. Se houver um mercado de trabalho em pleno, não é relevante se é precário ou não, porque ninguém quer perder um colaborador e, portanto, as pessoas, à partida, estão seguras. É mais a dinâmica do mercado de trabalho que segura as pessoas aos empregos do que a parte contratual. Dizia que não é muito qualificado porque alguns dos fatores que têm feito disparar o emprego é a hotelaria, como consequência do turismo, e o trabalho muito próximo do salário mínimo. Dito isto, é melhor ter pessoas a ganharem o salário mínimo do que o subsídio de desemprego ou já sem capacidade de o receber. Acho que são boas notícias para o país, não tanto no aumento da produtividade por via da criação de empregos mais qualificados, porque ainda há um caminho a percorrer, mas, de uma forma geral, tem sido bom para o Governo, porque ajuda a equilibrar as contas públicas. Os custos sociais do desemprego são altos e agora diminuíram.

Dizia que é a dinâmica do mercado de trabalho que fixa as pessoas aos empregos. Como é que as empresas conseguem reter os colaboradores?

Se houver quase pleno emprego, as empresas têm dificuldade em recrutar e, portanto, tendem a ficar com os colaboradores mais tempo, a reter os melhores e a aumentar os salários. Este aumento da procura de trabalho em alguns setores está, aos poucos, a fazer aumentar o salário das pessoas. Eu sempre defendi que a estabilidade do mercado de trabalho e o aumento da produtividade estão mais ligados ao facto de conseguirmos dinamizar a atividade económica do que a legislar muito restritivamente para evitar a precariedade. As empresas têm de ter uma preocupação social, mas a sua principal preocupação tem de ser a sua sobrevivência. Não pode ser tomar o lugar da Segurança Social. O melhor amigo do aumento dos salários e da ausência de desemprego é a dinamização do mercado de trabalho, por via da dinamização da economia.

Em abril de 2016, dizia, em entrevista ao Jornal i, que o fator cunha continuava a prevalecer no recrutamento das empresas portuguesas. Já passaram dois anos. Hoje diria exatamente o mesmo?

Continuo a dizer com a mesma veemência e com a mesma crença que disse na altura, especialmente no setor público, onde é mais que evidente que as pessoas são convidadas por muitas razões, nem todas relacionadas com a competência profissional. É a lógica dos partidos. No Canadá, por exemplo, o principal cliente da Boyden é a Administração Pública. Em Portugal, não é assim. Não estou a dizer que todas as pessoas em funções públicas são incompetentes. Não é isso que estou a dizer. Felizmente há muita gente competente, sobretudo pessoas que fizeram carreira na Administração Pública. Mas muitos dos lugares que são, depois, ocupados quando muda o Governo não resultam de um escrutínio profissional adequado. São por outros motivos, para além desse escrutínio profissional. Nos privados, em muitos casos, também. Na coisa pública pode haver uma certa lógica de pagamento de favores. No privado, diria que a maioria do recrutamento, a nível de quadros dirigentes, é por convite direto e não por pagamento de favores. É porque as pessoas já se conhecem, têm confiança e acham que não vale a pena estar a comparar com o melhor que existe no mercado. Há muitas empresas que ainda trabalham dessa maneira. As melhores empresas, as mais rentáveis, normalmente não trabalham assim. As multinacionais que operam em Portugal, as grandes empresas portuguesas, quando fazem recrutamento a estes níveis procuram ser profissionais. Dá que pensar. Se os melhores trabalham assim, porque é que os outros não trabalham também? Dir-lhe-ia que não noto uma grande evolução desde o que disse há dois anos para o que disse agora. A cultura ainda é muito parecida. Os países mais desenvolvidos no recrutamento executivo são os mais desenvolvidos economicamente, como o Reino Unido, a França e a Alemanha, onde se verifica um boom na atividade de executive search. Recorrem cada vez mais a recrutamento profissional. Acredito que, com o tempo, a cultura vá evoluindo.

Para bem recrutar é necessário um processo de recrutamento profissional. Que características encerram os métodos de executive search?

Têm duas vantagens. As pessoas têm a ideia de que o mercado é pequeno. O mercado não é pequeno. Tem muita gente e, portanto, é bom analisarmos o maior número possível de pessoas capazes de desempenhar a mesma função. Supostamente, quanto maior for a amostra de qualquer coisa, maior é a capacidade de escolher bem. Conseguimos descobrir um número de pessoas suficientemente amplo, para termos a certeza nas escolhas que estamos a fazer, que estamos a escolher entre os melhores, porque entre esse número grande de pessoas vamos avaliar, para aquele lugar, quem são as melhores e as que melhor desempenhariam aquela função. É sempre o cliente que escolhe a pessoa que quer, mas, pelo menos, compara com pessoas que não conhece, que têm histórias profissionais ricas e que são avaliadas por consultores experientes. Quando escolhe entre duas ou três pessoas, sabe que foram identificadas no meio de muitos potenciais, foram avaliadas comparativamente em relação a todas as outras e, portanto, a escolha que vão fazer é de baixo risco. Na gestão, uma das coisas que um gestor deve fazer é minimizar o risco. Recrutar mal comporta um risco enorme para uma organização. Um processo profissional, entre outras coisas, minimiza o risco e, supostamente, maximiza o resultado do desempenho da pessoa recrutada, porque se for bem recrutada vai trabalhar melhor e dar mais resultados do que uma pessoa mal recrutada.

A julgar pelo título de umas das suas obras literárias, gerir pessoas é uma arte. É efetivamente?

Gerir pessoas não é uma arte. Gerimos pessoas quando somos nomeados chefes de qualquer coisa e fazê-lo não é uma arte. Vem com a função que temos. Gerir bem pessoas é diferente. É inspirar, é formar, desenvolver, tornar o trabalho agradável para a equipa. Isso tem muito de arte, porque se relaciona com o senso comum, com a personalidade da pessoa e com lidar bem com as personalidades dos outros. Também tem criatividade. Acho que gerir bem pessoas se relaciona muito com o exercício do senso comum, com informação útil para que funcione bem, ou seja, nós podemos aprender a ser melhores gestores de pessoas e podemos aprender a gerir melhor, o que vai para além da arte, que associo a ter uma personalidade cativante com quem se relaciona. Pode perguntar-me a diferença entre gerir bem e não gerir bem. Gerir é obter resultados através de pessoas. Gerir bem, no meu entender, é apresentar resultados eventualmente melhores do que os expectáveis, com uma equipa feliz. A primeira preocupação que um bom líder tem de ter, logo a seguir aos resultados, é a felicidade da equipa, porque os resultados só são sustentáveis se as pessoas estiverem felizes com o que estão a fazer. Ao fim e ao cabo, é isto que procuramos na vida: sermos felizes não só no trabalho. Se um líder conseguir contribuir para a felicidade das pessoas, e felicidade não num termo romântico, e conseguir dar às pessoas o que gostam de fazer, reconhecer o trabalho bem feito, recompensar e fazer a gestão do desempenho pelo mérito, torna-las-á felizes. Uma chefia que consiga contribuir para isto gere melhor pessoas. Uma pessoa que não se preocupe com estas coisas, mas que até organiza bem, pode, eventualmente, não ter uma equipa tão fiel, tão disposta a fazer sacrifícios e a apresentar resultados.

Considera que as empresas portuguesas são bem geridas?

Considerando alguns casos que conheço, são. Conheço muitos gestores, muitos CEOs, diretores, administradores, que são pessoas com estes dotes de bem gerir pessoas. Uns mais carismáticos que outros, mas, no geral, são pessoas que têm uma capacidade de gestão que justifica o lugar onde estão. Se começarmos a olhar para PMEs, chamadas empresas de patrão, onde há uma pessoa que manda, nesses casos, nem sempre o sucesso das organizações, nem a qualidade da gestão de equipas, é o melhor, porque há que considerar o fator da intuição estratégica do acionista do negócio. Uma pessoa pode ser brilhante nos negócios, gerir mal a equipa e a empresa dar dinheiro. Por outro lado, também temos excelentes empresários  que são excelentes gestores de pessoas. Normalmente são mais paternalistas e preocupam-se com os seus empregados. Nas grandes organizações, a pessoa que chega ao topo tem, à partida, uma maior probabilidade de ser melhor gestor de pessoas do que um empresário de sucesso, que pode ter sucesso por fatores que não sejam a boa gestão de pessoas.

Os recursos humanos têm, hoje, uma oportunidade para se afirmarem?

Sim, acho que vão tendo cada vez mais relevância nas empresas mais modernas, competitivas e nas grandes empresas. Acho que os recursos humanos se vão afirmando mais e os diretores de recursos humanos, ou diretoras, vão tendo cada vez mais poder e influência e vão percebendo mais do negócio. Diria que é natural que, com o que se tem estudado no último século sobre a natureza humana, hoje em dia já seja mais ou menos pacífico que pessoas felizes e motivadas produzem resultados de excelência. As áreas de recursos humanos ajudam todos os outros gestores a tirar partido disso e a tornar as pessoas mais felizes. Hoje, esse fator mais soft na gestão é muito mais valorizado do que era no século XIX, porque há muito conhecimento que mostra que o lado soft da gestão é muito importante.

Quando as organizações solicitam os serviços da Boyden, estabelecem contacto com o responsável de recursos humanos?

Depende do que estamos a recrutar e da estrutura. Muitas vezes o contacto é com o presidente da organização, com um administrador ou um acionista. Depende do nível que estejamos a recrutar. Se estou a recrutar um CEO, o meu interlocutor não é o diretor de recursos humanos, mas o aciniosta. Em muitos casos, para muitas posições, é o diretor de recursos humanos que tem a liderança e é muito interveniente nos processos. Noto que há pessoas cada vez mais preparadas para esta função.

Em 2017, ocupou o segundo lugar no ranking global de performance da Boyden World Corporation. Este ano, em Frankfurt, ascendeu ao primeiro lugar.

De facto aconteceu em relação ao mês de abril. Não significa que chegue ao fim deste ano com esses resultados. É importante – não estou a desvalorizar –, mas não quer dizer que este ano consiga manter o lugar alcançado. Não é fácil. Obviamente que fiquei muito orgulhoso por ter alcançado o primeiro lugar. Estamos a falar de 300 sócios no mundo inteiro. Há sorte e trabalho.

Que fatores contribuem para os bons resultados alcançados pela Boyden?

Quero acreditar que os clientes acham que a Boyden em Portugal é muito boa. Nós não temos os dados uns dos outros, mas admito que, nos últimos anos, tenhamos sido líderes de mercado em Portugal em executive search e isso quem decide é o cliente. Com isto não estou a dizer que a Boyden é a melhor. Há outras muito boas. Como se trata de serviços, admito que haja confiança no prestador do serviço, alguma importância da marca, que foi a primeira marca internacional de executive search a vir para Portugal, em 1985. Eu já cá estou desde 1998. Tenho a obrigação de conhecer as pessoas e temos sócios bastante antigos.

E o negócio da Neves de Almeida tem prosperado?

A Neves de Almeida está fantástica. Está a desenvolver-se de uma forma extraordinária. Temos muita gente e pessoas muito profissionais. Neste momento tem mais pessoas que a Boyden, várias áreas de competência, a nível de consultoria, formação, eventos, team buildings e recrutamento para níveis mais baixos. Tem um conjunto de pessoas que admiro imenso, todos eles melhores do que eu. O sucesso que a Neves de Almeida tem tido nos últimos anos tem muito a ver com a estrutura que conseguimos construir. O que me dá prazer, realização e algum orgulho, sem vaidade, porque é uma história que já vem desde 1993. Já houve empresas de recursos humanos meteóricas que faliram e desapareceram.

https://rhmagazine.pt/fernando-neves-de-almeida-muitos-dos-lugares-que-sao-ocupados-quando-muda-o-governo/ 

This website uses cookies to ensure you get the best experience on our website. Learn more