Em entrevista publicada na edição de outubro da revista Exame, o managing partner da Boyden Global Executive Search Portugal argumenta que os boards das empresas estão mais ativos, mas que a sua função deve ser a de trazer valor para a empresa e não a de serem polícias

By Paulo Zacarias Gomes

“Podem existir melhores ou piores decisões de gestão. Malandrice e aldrabice não deve haver”
O especialista em executive search diz que osboardsestão hoje mais ativos, mas que a sua função deve ser a de trazer valor para a empresa e não a de serem polícias. “Não é fiscalizar se o CEO é aldrabão, porque se o é não devia estar ali”

O documento Executive Monitor da Boyden refere que, a nível internacional, há receio de assumir funções de administração em cotadas devido ao crescente escrutínio público. Em Portugal, isso tem dificultado a atividade de executive search?
Fiz recentemente vários recrutamentos para administrações e não é tema que preocupe muito. A gestão hoje ainda não é tão exposta como a política, não é por se ir para board member de uma empresa que se é [visto como] “malfeitor”, enquanto na política é quase assim. Houve vários escândalos associados a grandes organizações internacionais, uns por aldrabice, outros por má gestão ou falta de controlo. Os média têm maior alcance e as coisas são mais divulgadas. Mas gente mal intencionada existe em todo o lado e alguns vão parar a lugares de decisão. Várias pessoas mal-intencionadas começaram a ser notícia e começou a alertar-se para este tema.

 

No executive search é fácil fazer essa seleção e separar à partida os malfeitores dos outros?
Os casos mais mediáticos normalmente estão relacionados com pessoas que não foram selecionadas por executive search, que chegaram lá por outras formas. Quando um cliente escolhe trabalhar com um headhunter espera um escrutínio dos candidatos, mas não vemos a alma e o íntimo das pessoas. Em alguma altura da vida podem fazer algo que não fizeram no passado e isso não é possível prever. Podemos ser “enganados”.

Por vezes há desilusões?
Que eu saiba, na minha atividade de headhunter só ia sendo enganado uma vez. Acabei por não colocar essa pessoa. Tirei referências e era alguém que já tinha sido despedido de vários sítios, roubado uma empresa e movimentava-se num círculo de pessoas, um “esperto”.

A relação do conselho de administração com a comissão executiva pode evitar essas situações? Há instâncias externas às organizações para fiscalizar e fazer cumprir a lei. Nas cotadas, o objetivo dos administradores independentes é acautelar os interesses dos acionistas minoritários, não é fiscalizar a comissão executiva ou o CEO. Podem existir melhores ou piores decisões de gestão, agora malandrice e aldrabice não deve haver. Se forem malandros, não devem é estar lá! O conselho de administração não tem o papel de polícia, mas o de aportar valor. E convém ter pessoas especializadas em determinadas áreas. Durante muitos anos o papel era formal, iam lá, participavam numas reuniões, assinavam umas atas...

Hoje esses boards estão mais ativos?
Em algumas grandes empresas em Portugal, acho que começam a ter um papel mais relevante. Lá fora, em países economicamente mais desenvolvidos, sim. Nas empresas não cotadas, depende – o próprio fundo dono da empresa tem pessoas que funcionam como os não executivos e acompanham a gestão. Mas não é fiscalizar se o CEO é aldrabão porque se o é, não devia estar ali. É ver se as coisas estão a seguir o rumo que devem. Não se deve pôr para cima dos boards o ónus da fiscalização nesse sentido, de “vamos lá a ver se não acontece outro escândalo num banco e os administradores é que deviam chamar a atenção e não chamaram”.

Já que toca nesse assunto, Portugal teve grandes problemas com o setor financeiro...
Sim, quantos “bis” [milhares de milhões de euros] é que Portugal já perdeu a meter na Banca?

... E aí o que é que falhou? Havia grupos com presença familiar muito forte...
Com certeza está a referir-se ao caso BES. Não tenho informação fidedigna para perceber o alcance das coisas bem ou mal feitas, mas se não tivesse havido uma crise internacional, se calhar não tinha acontecido o que aconteceu ao Grupo Espírito Santo (GES). Não significa que o que estavam a fazer fosse bem feito e protegesse os interesses dos acionistas minoritários – verificou-se que não, eu próprio perdi dinheiro em ações. Não querendo comparar, mas a Dona Branca estoirou quando deixou de haver pessoas a meter lá dinheiro. Enquanto se vai alimentando, tudo corre bem. Não estou a dizer que o GES era uma Dona Branca, mas se as coisas forem girando, se os ativos não se desvalorizarem, se não houver uma crise internacional, até podia acontecer que os problemas passassem despercebidos e os acionistas nunca ficassem prejudicados.

Um modelo de governance mais robusto teria evitado estes problemas?
A minha convicção é a de que não resolveria absolutamente nada. Se o Banco de Portugal tivesse fiscalizado mais, se tivesse entrado mais em detalhe nas coisas, teria talvez descoberto mais cedo. Conheço pessoalmente e sou amigo de alguns ex-administradores-executivos do banco [BES] e tenho-os como pessoas extremamente idóneas, que não pactuaram em esquemas de malfeitoria. Alguns até já foram exonerados de responsabilidades. Muitas vezes, as pessoas ganham bastante por estarem nesses lugares e estão em vários boards de vários sítios. Não é que um não executivo ganhe muito, mas se tiver dois ou três lugares, a trabalhar poucas horas – não quero dizer que tenha pouca responsabilidade –, é uma boa vida. Ganha-se bem e são lugares que as pessoas têm de saber manter. Não quer dizer ser conivente com aldrabices, mas não pode estar num lugar desses para ser um “chato militante”.

Há muitos casos desses, de pessoas que fazem “carreira” de administrador.
Muitos, muitos. E pessoas competentes, sérias, que se empenham. Especialistas que acrescentam valor. Mas não são “chatos militantes”, têm de perceber as guerras que vale ou não a pena travar. E é preciso não confundir uma opinião com a tal fiscalização que se diz que os board members devem ter.

Perfis como os de CEO e administradores – executivos e não – mudaram muito nos últimos anos? O que as empresas lhe pedem é diferente?
É tudo igual. Agora pedem mais tecnologias de informação, digital, mas isso tem que ver com o mundo. É sempre bom num conselho de administração ter alguém com formação jurídica, em tecnologias e digital, recursos humanos, eventualmente em estratégia e depois na área financeira.

E os critérios de rede também entram nessa procura? Favorece-se pessoas com experiência governativa, com contactos, capazes de abrir portas? 
É o lobby, as public relations, contactos com os decisores, com os políticos, com os empresários. Mas é óbvio! Quem é que pode achar mal isso? Nós agora estamos aqui a conhecer-nos, está a entrevistar-me, vai ficar com o meu nome e eu com o seu. Daqui a uma semana, telefono-lhe para lhe fazer uma pergunta qualquer. Se calhar, atende- -me mais depressa a mim, que me conhece, do que se vir lá um número desconhecido.

Uma questão recente tem que ver com as investidas de ativistas sobre decisores das empresas. Não obriga a ter CEO com características diferentes, para lidar com esses embates?
Acho graça a que, muitas vezes, as pessoas comecem a falar de assuntos como se fossem novos.

É um tema que voltou à agenda...
Não existem competências velhas ou novas de um gestor. Tem de estar adaptado ao mundo atual, mais globalizado, mais digital, reivindicativo. Isso faz com que tenha de ter mais mundo, formação, do que na altura dos Descobrimentos, como o “CEO” da Companhia das Índias. A essência é a mesma. O bom senso, a capacidade de liderança, estar bem preparado para o negócio, coisas que são intemporais. O resto é evolução da Humanidade. Na gestão de topo, as características não mudaram assim tanto.

Mesmo nos unicórnios, nas startups, nas empresas que nascem da digitalização...
Em termos de estrutura, ser um bom CEO é o que é. Depois, são pessoas que dominam certas técnicas. Se calhar, no século XVIII, os sapateiros que inventaram uma técnica qualquer eram os mais avançados. Ou quando se descobriu a máquina a vapor. Hoje, olhamos para os unicórnios, para a internet. São o que era, há muitos anos, outra tecnologia qualquer.

Mas não é a mesma coisa, por exemplo, colocar António Horta-Osório a liderar a Farfetch ou José Neves a liderar o Lloyds. São líderes de gerações, áreas e com know-hows diferentes.
Não tem que ver com a personalidade de um ou outro, nunca avaliei um ou outro. Mas uma coisa é certa: Horta-Osório percebe de banca como pouca gente e porventura José Neves percebe a moda e o IT de trás para a frente como poucos. Foram conhecimentos que se transformaram em competências ao longo de muitos anos. Podemos pôr um CEO que não percebe nada de banca a gerir um banco? Não lhe sei responder. Eu não poria.

Lá está, são funções que exigem perfis diferentes.
O perfil pessoal pode não ser. As competências, o know-how, o saber é que sim. É difícil, às vezes, um CEO saltar de indústria para indústria. Só para indústrias que tenham algo de semelhante.

A escassez de talentos de que se fala em funções de base também se sente nos níveis de gestão mais elevados?
Imensa e a todos os níveis. Mas não é em Portugal, é no mundo.

 

E isso também se reflete nos vencimentos?
Sim, e nas escolhas. Quanto mais concorrência houver, tendencialmente mais se eleva a qualidade dos recursos. Quando há pouca concorrência, escolhe-se o mal menor e não o bem maior, e em certos casos, no talento, isso pode acontecer. Há escassez de talento, mas isso não quer dizer que a Boyden não consiga preencher determinado lugar. Se calhar, era bom ter uma amostra ainda maior, seria melhor para as empresas que escolhem.

Não a tendo, isso garante uma boa escolha?
É a melhor possível. O bom é o melhor dentro do que existe. São pessoas que estão a fazer bem noutros lados, não é o second best. Gostava que houvesse mais first bests.

Os CEO e administradores são bem pagos em Portugal?
Sim, o mercado é que faz o salário. Em Portugal, os boards são bem pagos.

Mas continua a haver grandes disparidades em relação às funções de base. CEO a ganharem 20 vezes mais do que os funcionários...
Muito grandes, mas não é por eles serem muito bem pagos. É porque as pessoas mais abaixo são muito mal pagas. Tem de haver coragem para aumentar o salário mínimo, para dar um abanão nisto tudo. As empresas têm de ser mais produtivas, de conseguir incorporar esses aumentos. Infelizmente, fazemos uma coisa muito má: atacamos os ricos. Devíamos atacar os pobres, não permitir que eles existissem. Estar a atacar os ricos e dizer que [António] Mexia ganha muitos milhões ou que a Jerónimo Martins paga... Devíamos era dizer que não faz sentido um caixa de um supermercado ganhar 650 euros por mês.

As pessoas que seleciona para cargos de topo têm essa sensibilidade?
Umas terão, outras não. Isso já não tem que ver com a minha atividade, mas com justiça social. A maior parte das pessoas ligadas às empresas e à economia tem a noção de que devia ser assim. Infelizmente, muitas vezes os políticos são quem percebe menos o mundo à volta porque nunca trabalharam, nunca pagaram salários. Devíamos bater palmas de cada vez que há mais um rico em Portugal. Quer dizer que está a criar mais postos de trabalho, a atrair dinheiro. Isso é que é importante, pessoas a ganharem muito dinheiro. E aumentar os salários baixos, que é uma vergonha. Mudava a estrutura de custos do País, certos serviços se calhar tinham de ser mais caros, mais bem geridos. Mas todos ganhavam mais e criava-se mais emprego.

E as quotas de género? Mudaram muito a forma de recrutar?
Sim, ainda recentemente ouvi dizer que uma lista da Iniciativa Liberal em Portalegre não foi aceite porque havia mulheres a mais. Alguma coisa já mudou no País, temos clientes que pedem especificamente mulheres para fazer as contas dos boards. É mais difícil [recrutar] porque, para certos lugares, há menos mulheres com a experiência desejada.

Acontece escolher mulheres que não têm o perfil?
Há de haver casos em que se escolhe o mal menor, de todas as mulheres a que se acha que é a melhor. Tal como acontecerá nos homens. Não estou a falar da Boyden. Nunca escolhemos, em consciência, ninguém que não devêssemos. Ao nível a que trabalho, nunca senti que haja qualquer discriminação contra as mulheres. Homens e mulheres são diferentes e têm, em muitos casos, ambições diferentes. As mulheres são tão boas como os homens. Sobre as quotas, já fui contra, já fui a favor. Não sei bem o que é que sou. É uma forma de obrigar a haver uma certa igualdade, mais equilíbrio de género nos boards. Isso obriga a sociedade a preparar mais mulheres.

Recentemente, quase 200 CEO declararam que a função primordial das empresas não deve ser a de criar valor para o acionista, mas sim a de ter uma boa relação com colaboradores, clientes, fornecedores, a comunidade. É uma mudança cultural?
É politicamente correto. Acredito que sejam muito bem-intencionados mas se uma empresa não servir os acionistas, não consegue servir mais ninguém, deixa de existir. Uma empresa existe para gerar lucros para os acionistas e fazer bem à volta. Se for só para fazer nada para os acionistas e tudo de bem para alguém, então crie-se uma fundação ou uma associação.

Uma curiosidade: quem é que faz executive search dos executive searchers?
Há empresas que fazem.

E alguma vez foi tentado a sair?
Uma vez, talvez há dez anos, para abrir o escritório de um concorrente nosso no Dubai.

Não se arrepende de não ter ido?
Não, não. Sou extremamente feliz com a minha profissão, não senti essa necessidade. Peguei na Boyden em Portugal quando isto quase não existia, era uma coisa minúscula. Há muitos anos que somos uma referência no mercado.

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A política e a economia do País são também temas abordados na entrevista que pode ler na íntegra clicando no ícone de PDF em cima ou em baixo à esquerda .

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