No Sol, um conjunto de executivos da área de recursos humanos discutiram a questão do teto salarial máximo da função pública.

Aumentar o salário do primeiro-ministro é uma das soluções apontadas pelos responsáveis de recursos humanos contactados pelo i para resolver o problema de recrutamento em determinadas áreas. Esta sugestão já tinha sido lançada por Marques Mendes.

O tiro de partida foi dado por Marques Mendes ao sugerir que o salário do primeiro-ministro fosse atualizado. No entender do conselheiro de Estado, devia haver uma “atualização moderada, compatível com a responsabilidade da função e com a exigência de competência” e, ao mesmo tempo, isso seria uma forma de contornar o projeto de lei socialista que prevê a subida nos vencimentos de juízes dos tribunais superiores e põe fim ao teto máximo. E defende que a abertura de uma exceção para os juízes poderá levar a que outras classes profissionais reclamem o mesmo tratamento. “Depois serão os professores; a seguir, os diplomatas. Está-se a abrir uma caixa de Pandora”, revelou no seu espaço de comentário semanal.

A verdade é que esta não é uma opinião isolada. E é aplaudida pelos responsáveis da área de recursos humanos contactados pelo i. “Considero que os políticos estão, em geral, mal pagos. Qualquer diretor de primeira linha de uma grande empresa ganha mais do que o primeiro--ministro”, defende Fernando Neves de Almeida, presidente da Boyden Portugal, empresa de pesquisa direta de quadros superiores. Ainda assim, deixa um alerta: “Há que não confundir políticos com gestores de empresas. Na política poderão existir fatores de ‘devoção’ à coisa pública que ultrapassem a questão do dinheiro e que são instrumentais para atrair pessoas para a atividade”.

Também Lourenço Cumbre, executive manager da Michael Page Banking & Financial Services, admite “não existir qualquer dúvida no que respeita à competitividade no setor privado face ao setor público, pela maior liberdade na remuneração e atribuição de benefícios”, e, como tal, considera “importante o setor público ajustar o seu orçamento para conseguir ser mais competitivo e conseguir uma maior capacidade de atração e retenção de profissionais”, diz ao i.

O certo é que a existência deste teto já dificulta o recrutamento para a função pública em determinadas áreas – uma questão que ganha maior relevo quando “o que se pretende são competências concorrenciais com o setor privado”, lembra Neves de Almeida. E dá como exemplo o que já se verifica em cargos de direção superior/administração e em competências tecnológicas muito específicas.

Já o responsável da Michael Page lembra que “qualquer teto salarial irá influenciar os processos de recrutamento, uma vez que baliza os valores salariais oferecidos aos profissionais dessa área” – um entrave que já começa a sentir-se em determinadas áreas, como na das tecnologias da informação, onde, segundo Lourenço Cumbre, já se evidencia a falta de mão-de--obra. “Assistimos nos dias de hoje a um mercado laboral muito volátil, refletindo-se a verdadeira necessidade em perfis técnicos ou operacionais, juniores ou seniores, a nível transversal. A especificidade técnica versus número de anos de experiência serão certamente os fatores críticos de sucesso”, refere. O responsável lembra, no entanto, que “temos vindo a viver um tempo de empregabilidade quase absoluta quando falamos no setor tecnológico, nomeadamente em funções ligadas à cibersegurança. A motivação de um potencial candidato será o projeto e a função que irá desenvolver, e não apenas as questões salariais, uma vez que, nos dias de hoje, estes profissionais já estão a auferir valores acima da média. Também questões como a oferta de flexibilidade e equilíbrio entre vida pessoal e profissional são cada vez mais valorizadas”.

Ainda na semana passada, o coordenador do Centro Nacional de Segurança português, Lino Santos, defendeu que Portugal devia apostar na formação de especialistas em cibersegurança. No entender do responsável, há falta de pessoal qualificado no país, revelou à TSF.

Fernando Neves de Almeida não tem dúvidas: “ A administração pública deveria ter uma política de gestão de recursos humanos como qualquer grande organização tem. O tema dos salários é um, mas outros existem como mobilidade e formação, só para dar dois exemplos”, acrescentando que “enquanto país, deveríamos ter a preocupação de fazer isto acontecer. Afinal, a administração pública serve-nos a todos e é paga por todos. Será que melhorar a eficácia e a eficiência dessa área não deveria ser desígnio nacional? Queixamo-nos de pagar muitos impostos, esquecendo-
-nos que parte deles é para pagar a ineficácia e a ineficiência dos serviços”.

Já em relação à possibilidade de abrir exceções em determinadas áreas, o presidente da Boyden Portugal deixa um alerta: “Podem existir algumas exceções. Por princípio, toda a regra deve ter exceção. No entanto, exceção é isso mesmo, e não uma forma de resolver sistematicamente a ausência de um princípio válido”.

Solução para recrutar Para Neves de Almeida, uma das hipóteses para atenuar esta crise no recrutamento e estancar a fuga de quadros poderá passar por “uma análise profunda e comparativa com o setor privado para procurar nivelar as políticas salariais”.

Já Lourenço Cumbre defende que os salários da função pública devem ser competitivos consoante a necessidade e a especialidade das funções. “É verdade ainda que devem ser implementados sistemas eficazes de avaliação e de premiação dos colaboradores públicos, de forma a promover os níveis de serviço e a competitividade entre colaboradores”. Ainda assim, reconhece que tem existido um grande dinamismo no mercado laboral, com uma crescente exigência de condições por parte do talento de topo. “Criar atratividade na função a desempenhar e criar condições para desen-volvimento pessoal e profissional serão aspetos essenciais que devem ser tidos em conta antes de iniciar a abertura do concurso ou do processo de recrutamento”, diz ao i.

Fora desta esfera

De fora desta situação está o salário do presidente da Caixa Geral de Depósitos. A polémica estalou em 2016, com a nomeação de António Domingues para gerir o banco público. E apesar de o responsável ter ficado pouco tempo no cargo – assumiu a liderança a 31 de agosto desse ano e acabou por apresentar a demissão em novembro, devido à polémica em torno da entrega das declarações de rendimento e de património junto do Tribunal Constitucional –, foi aberta a exceção em torno dos salários dos gestores da Caixa. O ex-presidente iria ganhar 423 mil euros por ano – um patamar que se manteve com o sucessor e ainda presidente, Paulo Macedo.

No entanto, Neves de Almeida não estranha esta política, uma vez que, entende que o CEO da Caixa Geral de Depósitos não é um funcionário público. “É o gestor de um banco comercial que, por acaso, pertence ao Estado português. Ele pertence ao mercado de trabalho de gestores profissionais. Se o Estado pretende um gestor profissional com provas dadas, tem de pagar por isso, como qualquer outro banco faria. Mais, no caso concreto nem sequer é o que ganha mais no setor”, lembra ao i.

Esta opinião é partilhada por Lourenço Cumbre, que considera poder ser importante existirem exceções, mediante a especialidade da função ou a sua responsabilidade. “Tratando-se do maior banco nacional, com capitais exclusivamente públicos, será naturalmente uma exceção ao que é normalmente praticado no setor público. Contudo poderá, em última análise, ser uma medida viável; caso contrário, a instituição pode correr o risco de perder o seu talento por falta de competitividade”, salienta.

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