Em entrevista ao i, Fernando Neves de Almeida defende a importância do executive search como garantia de maior qualidade no recrutamento de talento para quadros dirigentes, que, à semelhança das melhores práticas internacionais deve ser usado, tal como no setor privado, no setor público, incluindo para cargos de topo.

By SÓNIA PERES PINTO

Para o presidente da Boyden Portugal, a formação do Governo é feita na maioria das vezes de forma artesanal porque assim que o partido ganha as eleições tem de ter os nomes dos governantes e muitos ministros aparecem à pressão. 

Fundou a Neves de Almeida e passou a liderar a Boyden na década de 90. Que diferenças encontra até ao dia de hoje?

Não noto grandes diferenças desde essa altura até hoje, mas é a mesma coisa que perguntar a alguém se nota diferenças nos filhos com os quais cresce. Normalmente, não notamos diferenças porque vemo-los todos os dias. Comecei com a Neves de Almeida em 93/ 94 e com a Boyden no final de 97, princípio de 98, como managing partner. A Neves de Almeida, no princípio, não se dedicava a fazer recrutamento, apostava mais na formação, team buildings e consultoria de recursos humanos. Agora continua a fazer o mesmo, mas mais sofisticadamente, porque as necessidades dos clientes são as mesmas, obviamente adaptadas à realidade atual, até porque existem setores novos. É claro que há novas metodologias de intervenção, mas a psicologia organizacional não sofreu grande transformação em termos teóricos. No que diz respeito ao recrutamento de executivos, ainda houve menos alterações.

Agora há áreas que, na altura, não eram tão faladas, como a engenharia informática, etc.

Sim, mas isso é só o negócio para o qual estamos a recrutar. As características de liderança e as capacidades de gestão são avaliadas da mesma maneira, independentemente da atividade. Depois, obviamente que há a experiência específica de cada setor. Na altura, não havia os setores de tecnologia como existem hoje mas, se calhar, daqui a 50 anos será de outra forma. A essência da nossa atividade é a mesma: conseguir avaliar bem quem temos à frente, avaliar bem a oportunidade para a qual estamos à procura da pessoa e ver se as duas coisas jogam uma com a outra. 

É expetável que continue assim? 

Acho que é expetável que se mantenha assim para sempre. A não ser que se consiga inventar alguma análise genética ao sangue que diga as características das pessoas. (risos) Claro que estou a brincar, isso é impossível. A personalidade e a forma de estar é um misto de muitas coisas e não tem só a ver com a genética. Não se pode avaliar de outra maneira a não ser com uma entrevista estruturada por metodologias que empresas como a Boyden utilizam para fazer essa avaliação. 

Em termos de setores, quais os que recorrem mais a este tipo de recrutamento? 

Quando comecei nesta atividade, a maior parte das empresas que utilizavam executive search eram multinacionais. Porquê? Porque já utilizavam nos outros países e estavam habituadas a esses métodos de recrutamento. E contra isso não há discussão possível: o melhor método de recrutamento é este. A não ser que a maior parte dos gestores de topo mundiais sejam burros. Quem não utiliza não é porque ache que é mau, é porque ou não tem dinheiro ou não tem visão suficiente para perceber que o que faz a diferença nas organizações são as pessoas. Uma pessoa bem escolhida pode fazer toda a diferença.

Mas as empresas têm de ter alguma dimensão?

Não, mas como temos uns fees que não são propriamente baratos, a empresa tem de ter capacidade de investimento para isso. Mas há outras empresas que também fazem recrutamento profissional com fees mais baixos. A Neves de Almeida faz recrutamento para níveis mais baixos e para empresas mais pequenas, e utiliza a mesma metodologia de pesquisa. A Boyden está mais direcionada para quadros de topo e para empresas maiores. Não quer dizer que a pessoa não se engane, as pessoas também se enganam quando se casam e acham que se conhecem muito bem. Acho que aqui nos enganamos menos do que nos casamentos, tenho ideia que as taxas de divórcio são superiores.

No caso das empresas familiares continua a haver resistência?

Aí há, porque muitas vezes a decisão está enviesada, o que não critico. Se tivesse uma empresa muito grande, se tivesse filhos e se tivesse de planear a sucessão, se calhar também teria essa preferência. Até podia dizer ou achar que estava a ser imparcial, mas não estava. Porque ia ponderar determinadas coisas, além da mera competência técnica, que nunca faria se não fosse meu filho. Não estou a dizer que nas empresas familiares não haja também escolhas com base em competência. Tenho quatro filhos, não acredito que uma pessoa consiga ter um distanciamento emocional ao ponto de comparar perfis de forma completamente imparcial, esquecendo o lado familiar. Até pode acontecer, mas não me vejo a fazer uma coisa dessas. Acho difícil que isso aconteça, a não ser que a frieza de um pai seja muito grande. Isso não significa que as pessoas também não reconheçam que algum dos filhos não tem jeito nenhum para aquilo nem queira. Se tenho um filho que até gosta de gestão, aprendeu a trabalhar na empresa e até tem algum jeito para aquilo, então, mesmo avaliando alternativas, vou sempre dar mais valor ao meu filho. E não tem nada de mal. Isso é o reflexo de algo que adoro na humanidade que é sermos humanos, termos emoções, e é isso nos distingue das máquinas.

O crescimento das redes sociais ajuda ou dificulta esta tarefa de recrutamento?

Há uns anos, quando se começou a falar das redes sociais, muitas pessoas - algumas desta atividade, mas não todas - achavam que iríamos ser irrelevantes e que a nossa profissão acabaria. Sempre achei que não. A tecnologia é uma coisa excelente e até pode ser uma forma mais fácil de identificar potenciais candidatos. Não é descobrir onde estão os candidatos, porque isso já fazíamos antes, só que com as redes sociais demora menos tempo. 

Analisar um determinado perfil numa rede social poderá prejudicar essa escolha?

Podemos analisar o perfil das pessoas nas redes sociais até para perceber o seu lado pessoal. Há pessoas que têm um lado B e a cultura daquela organização pode não aceitar isso como um comportamento adequado, e aí pode ajudar-nos a excluir candidatos. Se determinado tipo de pessoa publica coisas mais privadas e não é disso que o nosso cliente está à espera num candidato, então pode funcionar como um fator de exclusão. Se tivermos uma função de responsabilidade numa empresa, o que fazemos na nossa vida privada impacta a imagem que temos enquanto representante dessa empresa e os acionistas podem não querer determinado tipo de imagem. 

Acha que as pessoas têm mais cuidado agora quando partilham informações pessoais?

Acho que sim, principalmente quem tem ambições profissionais. E ter ambições profissionais, o querer chegar muito alto numa organização, não é uma coisa que tenha de ser obrigatória para toda a gente. As pessoas não são nem melhores nem piores por terem mais ou menos ambições profissionais. Mas quem acha que a sua felicidade passa por esse tipo de caminho, essas pessoas com certeza têm mais cuidado com a sua imagem privada.

Sempre defendeu que o executive search devia ser usado na função pública. Porque acha que continua a existir tanta resistência?

Em nome da transparência, fazem concursos públicos, mas é uma falsa questão porque, muitas vezes, essas coisas podem ser alteradas a gosto. Esses concursos têm muitas vezes critérios que não estão associados ao sucesso no desempenho das funções. O executive search é importante quando falamos de quadros de dirigentes, seja de empresas públicas, seja de empresas privadas, porque impactam a vida das organizações e a produtividade. São eles que organizam o trabalho dos outros e, por isso, deviam ser escolhidos com base em critérios profissionais. Infelizmente, em Portugal não é assim. Há países que o fazem. Por exemplo, no Canadá, o nosso maior cliente é a administração pública. Também nos EUA utilizam muito o executive search na administração pública. 

E na Europa?

Há países que utilizam. O Reino Unido, por exemplo. Espanha é como nós, é a cultura mais latina: family and friends e confiança. Mas as pessoas pensarem que a confiança é muito importante no recrutamento é um erro, porque é uma coisa que se gera. Posso ter muita confiança numa pessoa num contexto particular e depois, profissionalmente, essa confiança até pode ser negativa. A confiança profissional gera-se através da interação profissional que se vai criando. Contratar com base em critérios de confiança revela uma certa insegurança de quem está a recrutar. Há muitas pessoas que têm medo de escolher pessoas que não conhecem, já para não falar das que têm medo de escolher pessoas melhores do que elas.

Acham que é um risco?

Sem dúvida, e aí se vê, muitas vezes, a qualidade dos gestores que temos. Pensam que isso pode ser uma ameaça. 

No caso da função pública, as contratações de dirigentes têm de passar sempre pelo crivo da CReSAP...

Isso foi uma coisa que foi inventada há dois Governos e os critérios que utilizam para avaliar se as pessoas servem ou não não são suficientes. O que é avaliado é o currículo, não há uma avaliação com base em entrevistas de competência, nem recorrem a metodologias que usamos no executive search. Avaliar uma pessoa pelo currículo é a mesma coisa que fazer um juízo de valor sobre se você é boa pessoa ou não pela sua fotografia, sem ter interagido consigo. Olho para a sua cara: se gosto, é boa; se não, não é. O facto de uma pessoa ter passado por determinados lugares e ter eventualmente no currículo até lugares de responsabilidade não é nenhum carimbo de qualidade. Posso ter sido administrador de cinco coisas e ter sido uma nulidade nessas cinco coisas. Não é pelo facto de ter sido administrador cinco vezes que isso me torna um bom administrador.

É preciso fazer a avaliação dessa pessoa...

Da pessoa e dos resultados que teve em cada sítio que passou. Não é só dizer que foi administrador daqui, diretor dali, secretário de Estado de não sei o quê... Já conheci pessoas de todo o nível de responsabilidades e em todos esses níveis vi gente muito competente e outras que deixam um bocadinho a desejar. Não me impressiona nada o título ou os lugares que as pessoas desempenharam. Só fico impressionado depois de ver como a pessoa desempenhou cada um dos cargos. Fazer uma análise estática, olhar para um currículo e saber que foi isto e aquilo não me diz nada. A pessoa pode ter destruído todos os sítios por onde passou.

Mas continua a ser feita essa análise estática...

Mas é uma análise falsa. Está a dar-se importância a uma coisa como sendo objetiva que é tudo menos objetiva. É a mesma coisa que estar a ver a pressão dos pneus do carro com um termómetro. 

Então porque continua a haver tanta resistência? 

É cultural. Acho que não há uma má vontade específica. Não é um primeiro-ministro ou um ministro qualquer que decide dizer “não gosto de recrutamento profissional, portanto não quero” ou “eu quero é lá meter os meus amigos ou as pessoas do partido”. 

Mas, indiretamente, até é...

Quero acreditar que não existe nenhuma decisão dessa forma. Não quer dizer que num caso ou noutro não possa haver. Conheço várias pessoas ligadas à política e não acho que exista essa má vontade. Há é falta de cultura de fazer assim, não está nos nossos hábitos culturais. E muitas das pessoas que estão na política não vêm de organizações privadas, nunca foram gestores de grandes empresas. Lembra-se de algum primeiro-ministro que tenha sido gestor de uma grande empresa? Há um ou outro que passou por empresas privadas. A maior parte das pessoas que estão na política nunca tiveram funções de gestão em organizações privadas. Muitos deles, depois de passarem pela política é que enveredaram por aí. Na nossa cultura, a prática é não recrutar profissionalmente e a exceção é recrutar profissionalmente. Não é vontade de querer aldrabar, é uma questão cultural.

E por isso é mais difícil de ser ultrapassada...

Vai demorar muito tempo. Primeiro, porque as pessoas aceitam que seja assim e, segundo, quem não é profissional do nosso setor até pode achar que é normal recrutar pessoas conhecidas e que a confiança é muito importante.

E depois há as ligações partidárias...

Dentro de determinado limite, até compreendo. Se as pessoas estão num determinado partido político, querem mudar o país, se são competentes, acho que os líderes devem pensar nelas para lugares de transformação da sociedade. Mesmo assim, deviam ser recrutadas profissionalmente, mesmo que seja dentro de um partido. Deviam fazer um mapping de talento para ver quem tinha melhores competências para determinados lugares.

Foi sempre muito crítico do fator cunha e do jobs for the boys... 

Sim, mas acredito que a cultura muda-se. Se calhar, não se muda tão rapidamente quanto gostaríamos. Também é preciso líderes que deem sinais de que essa cultura tem de ser mudada. Enquanto os líderes não derem esses sinais e eles próprios não tomarem consciência de que isso é o melhor, a tendência é para não se mudar. Os atuais líderes políticos nunca deram importância nenhuma ao recrutamento profissional. Isto não é nenhuma crítica, é uma constatação. Dão importância a outras coisas que, se calhar, para eles são muito importantes. Nas suas prioridades, nunca pensaram no impacto que podia haver na produtividade do país se o recrutamento fosse profissional. 

Mas um dos líderes partidários esteve na Boyden. Não devia estar mais sensível para estas coisas?

Esse, se calhar, está, mas não é primeiro-ministro. Nem sei se algum dia será mas, se Rui Rio algum dia chegar a ter funções governativas, acho que tem obrigação de fazer recrutamento profissional. Até pela experiência que teve nos anos que por aqui passou e por ter trabalhado ativamente em alguns recrutamentos. Não esteve cá a abrir portas e viu bem o que se consegue fazer por recrutamento profissional. Quero acreditar que, se alguma vez tiver funções de responsabilidade e em alguns casos concretos, irá usar o recrutamento profissional. Não quer dizer que seja com a Boyden, se calhar até nem será, mas acho que estaria sensível para isso. 

No caso da escolha de ministros, por exemplo, também poderia ser feita desta forma?

No limite, podia. Já foi feito no México, onde várias empresas de executive search fizeram a pesquisa para potenciais ministros. Mas, muitas vezes, os timings não se compadecem com isso. Uma pessoa ganha as eleições e, como tem de formar Governo, já tem de ter os nomes na cabeça e liga-se a um e a outro. É tudo muito artesanal, há ministros que aparecem da manhã para a tarde, sem às vezes se ter pensado muito bem se aquela pessoa podia um dia vir a ser ministro. Depois, se um diz que não é preciso arranjar outro, depois pergunta-se se conhece alguém. Há casos em que não é assim, os líderes partidários já estarão à espera de formar Governo e têm a coisa mais estruturada. Mas não só era possível como seria desejável que isso acontecesse e o executive search não obriga um cliente a escolher uma pessoa. 

Assistimos recentemente ao caso das relações familiares com este Governo. Ficou espantado?

Fiquei tão escandalizado como qualquer outro português. Se a escolha foi só por ser primo ou tio, é lógico que não faz sentido. Mas não é pelo facto de uma pessoa ser meu irmão, ou meu pai, ou meu filho, ou meu primo que automaticamente o desqualifica em termos de competência. O meu foco de recrutamento é a competência, não são os graus de parentesco. O critério não pode ser esse.

Mas estamos a falar de casos uns atrás dos outros...

Não é um recrutamento profissional. Por absurdo, pode haver uma área em que há pessoas de uma determinada família que têm mais experiência. Se for recrutamento profissional, não vejo porque é que os laços de sangue devam prejudicar as escolhas das pessoas. Por moralidade, percebo que às tantas se queira proibir. Se o recrutamento fosse mais profissional, esse tema, se calhar, nem se punha. Tudo o que são escolhas por causa de favores, amizades, relações profissionais, não são as mais adequadas. 

Acha que é uma lição que se tirou para não se voltarem a repetir estes episódios?

Uma das minhas filhas disse-me que não gostava nada de história e dizia que não servia para nada. Disse-lhe: “Acho que estás enganada”. Uma pessoa, quando estuda história, percebe que há muitas coisas que se repetem. É como os candidatos: se analisar bem o passado profissional de um candidato vou conseguir mais ou menos prever como é que se vai comportar no futuro, a não ser que alguma coisa mude. Se não se fizer nada para mudar, vai repetir-se outra vez. Como diria alguém, é um bocado insano esperarmos que se não fizermos nada para mudar, repetindo os mesmos comportamentos, os resultados sejam outros. Não sei se vai mudar alguma coisa de comportamento, mas uma coisa lhe digo: o país tinha muito a ganhar se se utilizasse mais recrutamento profissional. E com isto não estou a dizer que se utilize a Boyden, há muitas empresas que são boas a fazer isto. Acredito que os políticos hão de evoluir neste sentido, se calhar vai ser mais tarde do que gostaríamos. Tenho pena que não seja ainda na minha vida útil. 

Mas não foi um caso isolado deste Governo...

Este tipo de coisas já tinham acontecido, no Governo de Cavaco Silva e de outros. Nuns casos fala-se mais, noutros fala-se menos. Quando não há recrutamento profissional há sempre outros interesses que se levantam. E quando há outros interesses que se levantam é difícil que não aconteçam coisas destas. 

Nunca falou com os vários Governos para tentar sensibilizar para esta questão?

Vários Governos já tiveram reuniões connosco e com outras empresas concorrentes para analisarem a hipótese de usarem o executive search mas, na prática, não aconteceu nada. Arranjam sempre desculpas para que isso não seja possível. Ou é por causa dos concursos públicos ou é por causa disto ou da CReSAP. Há sempre motivos para deixar as coisas como estão. É a resistência à mudança típica do ser humano. 

Outro dos assuntos em cima da mesa diz respeito às alterações ao Código do Trabalho. Como avalia?

São tão pequeninas e tão irrelevantes. O período experimental devia ser eterno, principalmente para lugares de direção. Para lugares de não direção, talvez não. Um dos principais problemas que temos ao nível da produtividade em Portugal é a falta de capacidade de gestão de pessoas. Por exemplo, na administração pública há uma incapacidade de poder despedir alguém, nem por incompetência. A não ser, como costumo dizer, que alguém cuspa para cima do chefe ou lhe dê um murro. E mesmo nessa situação, se calhar vem o sindicato dizer que a pessoa não estava bem naquele momento. Em Portugal, se calhar, só matar alguém é que dá motivo a despedimento direto. Sou absolutamente contra a segurança do emprego na forma como ele existe em Portugal e noutros países. Quanto mais atrasado economicamente é um país, mais se vende a ideia aos cidadãos que a segurança do emprego é o bem máximo. A segurança do emprego não é o bem máximo por via legislativa e por via económica. Ou seja, quando há pouco desemprego, quando as empresas são saudáveis, quando é preciso recrutar, isso é que é o bem máximo. É um populismo dizer às pessoas que o que é importante é não haver precariedade do posto de trabalho. Parece que quem tem a obrigação de ser a Segurança Social são os investidores. Quem tem essa obrigação é a sociedade como um todo. Há muitos anos tentou-se implementar uma coisa que era a flexisegurança. As pessoas tinham direito à proteção no desemprego, mas não punham esse ónus nos patrões. Os patrões têm de poder escolher os trabalhadores que melhor se adequam em determinado momento. Se a pessoa não está a fazer um bom trabalho, se é menos produtiva do que os outros por vontade própria, então um patrão tem de ter a capacidade de despedir essa pessoa. Se trocar alguém por alguém mais produtivo, a empresa fica melhor, pode pagar melhores salários, e todo o país evolui.

Mas temos assistido a várias alterações ao Código do Trabalho...

Nunca houve nenhuma alteração que flexibilizasse os despedimentos e é esse o problema do Código do Trabalho. O problema é o estado de espírito que isso cria. É completamente diferente o estado de espírito de alguém que sabe que está a ser permanentemente avaliado do que se souber que não está a ser avaliado, porque se essa pessoa sabe que se não for produtiva tem de procurar outra coisa. Há pessoas que são infelizes a vida toda porque não gostam de onde estão, não se esforçam por fazer bem e sabem que não podem ser despedidas. Diria que mais de 50% dos portugueses estão descontentes. E quando essas pessoas são quadros dirigentes ou gestores, veja o efeito negativo que tem essa impossibilidade. Sabe o que se faz para se despedir? Pagam-se indemnizações brutais, negoceia-se um mútuo acordo, ou seja, até se premeiam as pessoas por serem incompetentes. Ser um diretor incompetente, às vezes, até compensa porque a empresa, para se ver livre dele, vai ter de lhe pagar um balúrdio para sair.

É quase um treinador de futebol...

Exatamente, é quase como um treinador de futebol que, se não treinar bem a equipa, leva uns milhões para casa. E a culpa disto é das pessoas que acham que estão a proteger o trabalhador. As pessoas têm de ter a ideia que um emprego não é para a vida, e não é, se estiver a trabalhar mal. O emprego existe enquanto a pessoa trabalhar bem. Se deixar de gostar daquilo e não se esforçar por fazer um bom trabalho, então tem de perceber que pode perder o emprego e terá de arranjar outro. Isto dava uma dinâmica completamente diferente ao mercado de trabalho. 

As alterações que foram agora feitas foram apenas cirúrgicas?

Foram. O que é isso de aumentar o período experimental? É irrelevante. Tem é de se criar uma legislação laboral adequada ao desenvolvimento económico. E não estou a dizer que não se deve proteger os trabalhadores, mas isso é uma função da sociedade, não é dos investidores nem dos patrões. Os patrões não devem ser obrigados a ser a Segurança Social. O mesmo deve acontecer com o Estado, com os trabalhadores não produtivos. Um funcionário público que não seja produtivo, principalmente se for um dirigente, que não é capaz, não se interessa por estar ali, tem de continuar? Está a dar cabo da vida das outras pessoas porque imagine o que um chefe desmotivado faz aos colaboradores. 

Poderiam, por exemplo, ser adaptadas para outra função?

Exatamente. Não obrigar é as pessoas a estarem infelizes e a serem incompetentes o resto da sua vida só porque não têm outra hipótese. Porque, se a pessoa se despede, não recebe subsídio de desemprego, e depois vive do quê? A pessoa agarra-se ao que tem, o que é compreensível. O sistema é que está mal, a legislação laboral é que está mal, e as pessoas que os defendem, as pessoas de esquerda que acham que estão a prestar um grande serviço à sociedade, não estão a prestar serviço a nenhuma sociedade. Só estão a prestar um serviço a elas próprias porque estão a querer enganar os eleitores e os trabalhadores ao defenderem que aquilo é que é bom para eles. Os patrões só criam emprego se a economia crescer. Um patrão não pode sustentar artificialmente empregos que não são produtivos. 

Mas os partidos de esquerda e os sindicatos querem enviar as alterações ao Código do Trabalho para o Tribunal Constitucional.

Podem enviar para onde quiserem. Temos uma cultura de reação a um regime anterior onde estivemos durante muitos anos e muitas das pessoas que estão em lugares de decisão ainda se comportam com resistência a um fascismo que existiu. Temos uma cultura muito de esquerda nesse sentido. Não nos ideais, porque até sinto uma certa atração pelos ideais de esquerda no sentido da proteção social, da igualdade de oportunidades, isso são coisas que uma sociedade deve almejar. Também não tenho nada contra impostos altos. Se for à Suécia ou à Noruega, as pessoas pagam impostos altos, mas são países onde tudo funciona bem. Não me importo nada de pagar muitos impostos se, depois, os serviços públicos que tiver em troca forem muito bons. O problema é que em Portugal pagamos muitos impostos e não temos essa contrapartida, as coisas não funcionam bem. Os ideais de esquerda deviam preocupar-se mais com o bem-estar dos cidadãos: termos boa saúde, educação, dinheiro para não vivermos preocupados, segurança. E isso não se consegue pela proteção da incompetência, e a legislação laboral rígida protege a incompetência. O mercado de trabalho é muito menos líquido, há mais desemprego de longa duração porque são sempre os mesmos, não há mobilidade no mercado de trabalho. Se as pessoas pudessem trocar livremente entre empresas, acabava-se por ajustar as melhores pessoas aos sítios onde fazem falta. E ao haver mais mobilidade no mercado de trabalho haveria menos desemprego de longo prazo. Deve proteger-se o quê? Obrigar um empresário a ficar com uns trabalhadores que não servem para nada? Para quê? Para depois ir à falência só porque não foi possível ajustar. 

Mas isso também criaria ideia de insegurança...

Alguém está seguro? Não pode estar aqui a descer as escadas, cair e morrer? Estamos todos inseguros. Eu, como empresário, estou seguro? Não estou. Estou tão seguro como aquilo que faço de bem ou de mal. A sociedade tem de ter esta noção, senão estamos a estupidificar as pessoas. Não podemos dizer que as pessoas estão seguras no emprego. Isso é tratá-las como estúpidas porque isso não existe, é uma ilusão. A segurança, criamos nós todos os dias na nossa vida fazendo o melhor que conseguirmos ou o que queremos. 

Os salários que são praticados não influenciam a desmotivação?

O nível salarial influencia a motivação das pessoas, não há dúvida. 

Mas do lado dos empresários há sempre o argumento de que não podem pagar mais... 

Os sindicatos dizem que querem salários mais altos e os patrões dizem que não podem pagar mais. Isso faz parte da negociação que tem de existir. O salário mínimo em Portugal devia aumentar mais do que aquilo que tem aumentado. Se o salário mínimo fosse um pouco mais alto, até podia ser taxado. Hoje em dia, quem ganha o salário mínimo nem paga impostos, como é óbvio. O Estado arrecadaria bastante em termos fiscais se o valor aumentasse. Quando comparada com a Europa, também temos uma classe média muito fraca. Admito que isso até venha a trazer, a curto prazo, problemas que, se calhar, nem se está a pensar nisso. Somos um dos países da Europa onde as casas estão a subir mais de preço e a classe média portuguesa não está a conseguir acompanhar. Pode dar-se o caso de as pessoas ficarem cada vez mais revoltadas com isso. Percebo que é o mercado a funcionar, aparecem estrangeiros e compram as casas porque têm mais dinheiro. Mas, qualquer dia, um cidadão de classe média não consegue viver no centro de Lisboa, principalmente se tiver uma família com filhos.

Qualquer dia, nem na periferia... 

E isso é um tema que acho que quem nos governa, ou quem tem a pretensão de vir a governar no futuro, tem de começar a pensar. A nossa classe média tem de ser mais fortalecida. Se vivemos num país e, com o que ganhamos, não conseguimos ter uma qualidade de vida minimamente aceitável, às tantas começamos a revoltar-nos. Vamos viver para onde? Este é o nosso país. Não devemos ser contra os ricos, até pelo contrário: o problema desta reação quase antirregime é que os políticos têm a mania que têm de ser contra os ricos. Têm é de ser contra os pobres. Têm é de fazer com que não haja pobres, têm de aumentar o nível de vida das pessoas, ter um salário mínimo mais alto para ver se o salário médio dos portugueses também aumenta. 

Qual é o patamar ideal do salário mínimo nacional?

Não sei dizer. Tem de subir, e não é aumentar dez euros.

O aumento dos salários resolveria em parte o problema da produtividade?

Normalmente, as mudanças dramáticas que acontecem nas sociedades não é só por mudar uma coisa. Para mudar a produtividade não basta mudar o salário ou a legislação laboral. É preciso aumentar salários, gerir melhor os recursos humanos na administração pública, flexibilizar a legislação laboral e, eventualmente, implementar sistemas de flexisegurança para não piorar a qualidade de vida das pessoas. Mexendo nestas várias coisas em simultâneo, não tenho dúvidas de que a produtividade aumentaria. Compare Portugal com países onde a produtividade é maior e chega a essa conclusão. Esse exercício é fácil, as pessoas não o fazem porque não querem.

Acha que não ambicionamos muito?

Acho triste, devíamos ambicionar mais. O meu filho está a fazer Erasmus na Suécia e está maravilhado com a organização de Estocolmo, com os transportes, e lá paga-se muitos impostos. Porque não ambicionamos ser assim? Quando estou no papel de gestor, comparo-me com as melhores empresas do mercado. O que me interessa comparar-me com as fraquinhas? Como portugueses, devemos ser exigentes. Não podemos achar que é melhor isto do que o caos ou que é melhor isto do que morrermos todos à fome. É verdade, mas é melhor ser rico e ter saúde do que ser pobre e ser doente. Não podemos passar pela vida assim e a aceitar o que nos dão. Se há melhor, então temos de ambicionar esse melhor. Não somos mais burros que os outros, temos as mesmas capacidades, então porque não exigimos ter um país como os melhores? É pedir muito? Temos de nos revoltar contra isto. Tenho uma vida maravilhosa, mas gostava que o país fosse melhor e, se calhar, não é melhor por causa de interesses mesquinhos de alguns que prejudicam aquilo que é a população em geral. 

Como mudar?

Tem de haver mais responsabilidade por parte de quem elege quem governa e sermos mais críticos. Temos uma taxa de abstenção brutal e o que quer isto dizer? Que as pessoas não querem saber. Se calhar podemos dizer que temos o que merecemos. Não tenho qualquer cor política, a minha preocupação é o bem-estar da população e fazer com que a economia contribua para esse bem-estar, e são as empresas, as organizações, sejam públicas sejam privadas, que podem contribuir. O objetivo máximo das organizações é garantir o bem-estar dos colaboradores e das sociedades onde estão inseridas. É preciso fazer com que as coisas fluam para que todos possamos beneficiar, e não uns quantos que fingem que estão a defender os interesses dos pobrezinhos e dos oprimidos. Não temos oprimidos e se temos pobrezinhos é porque nunca ninguém, de facto, se preocupou em melhorar a produtividade do nosso país. O nosso desígnio devia ser melhorar a produtividade para distribuir melhor a riqueza. Não digam mal dos ricos, incentivem mais pessoas a serem ricas para poderem pagar mais impostos e para poderem pagar mais aos colaboradores. Devemos querer ter um país mais rico, mais justo e mais solidário. Vamos todos ser solidários com mais fome? Vamos ser solidários com a pobreza? Não me parece uma boa escolha. 

Leia a entrevista completa aqui 

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