Luís Melo está na Boyden há 20 anos e no final do ano passado assumiu a liderança da consultora em Portugal. Entretanto, o mercado de trabalho, e o de Executive Search, evoluiu significativamente, bem como os desafios que se colocam aos executivos de topo. Entre os principais, está a gestão das suas pessoas.

By Ana Leonor Martins, HR Portugal

Se o mercado evoluiu e mudou nas duas últimas décadas, no ano passado a transformação foi quase radical. E no «pós-pandemia, a transição digital vai acelerar e transformar os modelos de negócio e a cultura das empresas», antecipa Luís Melo, que reconhece que a adaptação ao contexto de trabalho remoto trouxe desafios acrescidos às nossas lideranças. «0 momento em que vivemos exige que as empresas se tornem mais ágeis e flexíveis e que os seus líderes tenham a capacidade de sair da sua zona de conforto.

Que evoluções destacaria no mercado de trabalho nas duas últimas décadas?
Ao longo destas duas décadas, o mercado de trabalho tornou-se mais competitivo, mais complexo, mais dinâmico, e a guerra pelo talento aumentou significativamente. Houve também uma evolução de mentalidades e as empresas já não acham que há um "perfil tipo" que encaixa na sua cultura organizacional. O mercado está a evoluir para que as empresas estejam muito mais abertas para receberem pessoas com diferentes backgrounds e vindos de outros sectores, com o objetivo de "oxigenar" a forma de pensar e de atuar dessas organizações. Por outro lado, é indiscutível que há muito mais diversidade do que no passado. Mas a diversidade, como nós a conhecemos hoje - de género, do acesso pelas mulheres aos cargos de gestão, de religião, de raça, etc. -, é, na minha opinião, apenas a primeira fase. Mais do que o género ou a raça, a verdadeira diversidade acontece quando uma organização tem a capacidade de atrair perfis e formas de estar e pensar diversificados, e incorporá-los na empresa, fazendo-os sentir bem, e conseguindo colocá-los a trabalhar em conjunto, de forma a potenciar a sua performance. A Boyden, através da área de Leadership Consulting, está precisamente a ajudar os líderes das organizações nesse caminho.

E em concreto no mercado de Executive Search, quais as principais diferenças de 2001 para cá?
Diria que o mercado se tornou mais maduro e os clientes têm expectativas mais elevadas do que há 15 ou 20 anos. Entrei no mercado de Executive Search em 1996 e, durante os meus primeiros anos de atividade, aquilo que sentia que os clientes mais valorizavam era o acesso a candidatos que de outra forma não teriam. Confesso que, embora sendo um profissional relativamente júnior, já na altura achava este conceito muito redutor, e o tempo veio dar-me razão. Ao longo dos anos, os clientes foram percebendo que ter um parceiro de Executive Search não servia apenas para lhes dar acesso a mais candidatos, mas sim para os ajudar a escolher os profissionais mais adequados para trabalhar nas suas organizações, atendendo a um conjunto de critérios, nomeadamente a cultura, a fase de vida da empresa e os desafios da função. Este sim, é o verdadeiro valor acrescentado de uma empresa como a Boyden na sua atividade de Search. Outra grande diferença de 2001 para cá é que a internet nos dá um acesso mais rápido à informação, seja sobre as pessoas, seja sobre as empresas, e passámos a viver num mundo onde o acesso aos profissionais que queremos contactar está muito mais facilitado. A Boyden também evoluiu muito. Hoje, temos instrumentos de suporte que nos permitem ser ainda melhores na seleção dos candidatos que apresentamos aos clientes, nomeadamente através da realização de um estudo de cultura feito no início de um projeto com um novo cliente, e através do uso de uma ferramenta psicométrica, especificamente desenvolvida para contexto organizacional, para avaliar as motivações e preferências dos candidatos de short-list. O "Prophet" ajuda-nos a identificar ainda melhor o perfil dos candidatos mais adequados a cada cliente.

Quando assumiu o cargo estávamos já em plena pandemia. Que prioridades de atuação definiu, em termos de negócio, para alcançar que objetivos?
Os objetivos estratégicos para a Boyden Portugal sob a minha liderança são trilhar um caminho de crescimento sustentável, excelência operacional, foco no cliente e adaptação a um ambiente de elevada e permanente transformação, trabalhando todo o ciclo de liderança numa organização, desde o encontrar o executivo certo, passando pela sua integração e potenciação da performance das equipas executivas de uma organização. A Boyden ainda é conhecida por ser uma empresa de Executive Search, mas, ao longo do tempo, foi desenvolvendo competências e transformando-se numa empresa especialista em liderança, e tenho como um dos nossos principais objetivos afirmar este posicionamento no mercado. É importante dizer que a Boyden Internacional investe, desde 2016, no desenvolvimento de metodologias e ferramentas que levaram à criação da área de negócio de Leadership Consulting, no último trimestre de 2019. Esta área é liderada em Portugal pelo João Guedes Vaz que, há cerca de seis meses, é o responsável pela prática a nível global, tendo sido um reconhecimento da sua qualidade e que nos deixou orgulhosos. Através da área de Leadership Consulting, trabalhamos no desenvolvimento de equipas executivas de alta performance, atuando sobre os líderes no seu desenvolvimento, mas também nas alavancas organizacionais como a cultura, a execução estratégica, especialmente em processos de transformação e mudança organizacional, sejam eles de modelos de negócio, de cultura ou disrupção. Temos, também, como objetivo continuar o crescimento o escritório do Porto. Somos a única empresa de referência no mercado com escritório nessa localização, liderado pelo sócio Bernardo Costa Macedo, um excelente profissional, e que tem sido instrumental no desenvolvimento significativo do negócio no Norte. A equipa é o que nos distingue. Temos ainda o Fernando Neves de Almeida, o Nuno Freitas, que é um sócio de enorme qualidade, e a Andreia Barbosa, essencial na gestão operacional, a que junta excelência na gestão de clientes e entrega dos projetos - e, claro, a qualidade e a experiência dos nossos consultores.

E em termos de gestão da relação com as vossas pessoas, tomou alguma medida? Calculo que tenham tido de mudar significativamente os vossos modelos de trabalho...
O nosso modelo de trabalho era o modelo presencial. Mas, felizmente, há três ou quatro anos que tínhamos as ferramentas para trabalhar fora do escritório, pelo que conseguimos, de um dia para o outro, passar a trabalhar a partir de casa, na maior parte do tempo. Fazemos "tudo" o que fazíamos antes, mas usando a potencialidade que a tecnologia nos dá. Para além disso, senti a necessidade de implementar uma reunião semanal com todas as pessoas, para partilharmos o que está a acontecer nos projetos de Search e de Leadership Consulting, de modo que, para lá da eficiência operacional, mantenhamos vivo o espírito de grupo e de partilha.

Com base nesses projetos, quais diria que são atualmente os sectores mais dinâmicos, em termos de empregabilidade?
Os sectores mais dinâmicos são os da Tecnologia e Consultoria Tecnológica, em que a maioria das empresas teve um ano de 2020 com crescimento ou com níveis de negócio muito semelhantes a 2019. Sabemos também que é um mercado "muito quente", onde a procura por este tipo de profissionais supera a oferta. A criação em Portugal de centros de competência, de suporte, de R&D [Research & Development] e de desenvolvimento de software veio aquecer ainda mais o mercado, e os pacotes salariais da generalidade destes profissionais estão a crescer. No nosso caso, dado recrutarmos executivos, o cenário de escassez também existe, mas ainda não é tão grave. Também destaco a Indústria – em particular a automóvel, após aquisições por parte de private equity - o retalho alimentar e o e-commerce, que são dos poucos negócios que cresceram em 2020.

E o que perspetiva para o pós-pandemia?
No pós-pandemia, a transição digital vai acelerar e transformar os modelos de negócio e a cultura das empresas, que vão precisar das empresas de consultoria. Com várias multinacionais a transferir a produção para a Europa, para não dependerem exclusivamente de mercados como a China, a indústria continuará a ser outra área relevante, tal como o private equity, que continuará ativo, porque há vontade de investir e capacidade de financiamento para aquisições.

Notam maior resistência à mudança no atual contexto?
Obviamente que cada caso é um caso, e haverá sempre profissionais que sentem menos apetência para a mudança no atual contexto, mas não sentimos que haja mais resistência à mudança.

E houve alteração nas variáveis decisivas na decisão de mudança de emprego? Quais são os fatores que os executivos de topo mais valorizam?
A pandemia não veio mudar, na sua essência, as variáveis de decisão de mudança de emprego, mas os executivos de topo preocupam-se em perceber qual tem sido a experiência de trabalho em pandemia no seu potencial futuro empregador e analisam se vão ser capazes de superar os desafios que se lhes colocam em contexto de teletrabalho. Neste momento, com a perspetiva de que durante este ano poderemos voltar a ter uma vida mais parecida com a que tínhamos em pré-pandemia, essa preocupação está a desvanecer-se.

Diria que as nossas lideranças estavam preparadas para gerir nestas condições?
As nossas lideranças tiveram de fazer um processo de adaptação ao contexto de trabalho remoto. Na generalidade, sou da opinião de que fomos muito bem-sucedidos, não só pela rápida adaptação, mas também porque mesmo os que eram céticos em relação ao compromisso das pessoas puderam comprovar que ele continuou a existir.

Quais têm sentido ser as principais dificuldades dos gestores?
A maior dificuldade foi para aqueles gestores que sentiam necessidade de gerir as suas equipas com proximidade física. E não se pense que foram apenas os com um registo mais operacional e controlador que sentiram essa dificuldade. Em organizações de média dimensão, alguns líderes de estilo carismático e que exerciam esse carisma por proximidade com as suas equipas também sentiram dificuldades de adaptação. Por outro lado, somos latinos e, como tal, estávamos habituados a reunir presencialmente para tudo. Viajava- -se duas ou três horas para fazer uma reunião de 30 minutos. A relação entre as pessoas é muito importante, mas a mentalidade está a evoluir e já todos percebemos que podemos ser mais produtivos se algumas reuniões passarem a ser feitas por videoconferência em vez de presencialmente. Mas vão existir algumas coisas que voltarão, felizmente, a ser presenciais como antes. Um grande desafio que se tem colocado aos gestores tem a ver com a gestão das suas pessoas: como manter a sua motivação e foco, como fazer com que continuem a sentir-se integrados na organização, como perceber sinais de perturbação psicológica dos colaboradores, ter uma real empatia e compreensão com as dificuldades que estão a sentir, por terem filhos pequenos em casa ou por não terem um espaço adequado para que várias pessoas estejam a trabalhar e a ter aulas ao mesmo tempo. Estamos a viver um período muito particular das nossas vidas e temos de ser todos mais solidários e compreensivos. A forma de comunicar com as pessoas mudou e compete às equipas de liderança promoverem maneiras de substituir o contacto presencial por outras, de modo a manter uma "experiência de colaborador" o mais próxima possível do que acontecia no passado.

É possível manter a cultura organizacional e o engagement, com as pessoas "à distância", principalmente no caso de novas contratações?
É o maior desafio que se coloca aos líderes das organizações e às áreas de Recursos Humanos no pós-pandemia em empresas que optem pelo modelo exclusivo, ou majoritário, de "working from home". Os desafios começam precisamente no onboarding e integração das pessoas contratadas. Terá de haver o redesenho dos processos de formação e terá de ser repensada a forma de fazer a formação on the job. Depois, e mais importante ainda, como conseguimos dar a conhecer a cultura organizacional às pessoas que chegam? Como os conseguimos aculturar? E como conseguimos desenvolver neles sentimentos de pertença? Será um processo de aprendizagem, com alguns erros e afinações que irá com o tempo melhorar, mas não tenho dúvidas que podemos assistir, nos próximos anos, a uma maior rotatividade de pessoas nas organizações.

Que outros grandes desafios que vão colocar aos executivos de topo, este ano e no próximo?
A incerteza em que vivemos; a necessidade de procurar e desenvolver líderes com competências diferentes; a velocidade de transformação do mercado; a escassez de talento em alguns sectores de atividade; a necessidade de gerar riqueza de forma sustentável; e o impacto crescente que o digital tem sobre os modelos de negócio, serão, em termos estratégicos, os principais desafios que se vão colocar aos executivos de topo e serão definidores do futuro das organizações.

Tem-se defendido que esta pandemia veio reforçar a necessidade de um novo tipo de liderança. Que liderança acredita que faz falta às empresas nesta altura?
O momento em que vivemos exige que as empresas se tornem mais ágeis e flexíveis e que os seus líderes tenham a capacidade de sair da sua zona de conforto, de forma a terem uma capacidade de adaptação mais rápida ao meio envolvente e à velocidade crescente de transformação que assistimos no mercado. Os líderes têm de ser/tornar-se "cidadãos globais" e estar preparados para serem influenciados, para aprenderem a trabalhar com pessoas de diferentes culturas que poderão estar a trabalhar à distância, em diferentes geografias. Esta abertura e mix de experiências vai potenciar-lhes a capacidade de pensar out-of-the-box. Outro ponto extremamente importante é a capacidade de juntarem a dimensão humana e a dimensão tecnológica na sua estratégia. A segunda é inevitável e a primeira é o que distingue as organizações, ou seja, as suas pessoas. Acrescentaria ainda a aptidão de olhar para o futuro e antecipar a mudança. O nível de incerteza que ainda vivemos devido à COVID, faz com que os líderes tenham de tomar decisões com menos tempo do que seria desejável e sem estarem na posse de todos os dados que gostariam, pelo que a intuição ganha relevância. A confiança e capacidade dos gestores para assumir riscos calculados é um fator crucial nos dias de hoje. Tal como a aprendizagem rápida, o ser capa de mobilizar a organização e as suas equipas sem necessidade de proximidade física, saber liderar por influência e comunicar eficazmente, potenciando a colaboração e mantendo a transparência. Também relevante é a capacidade para manter a calma, a demonstração de um otimismo moderado e uma genuína empatia com os outros. Agir com determinação e confiança traz tranquilidade aos colaboradores.

Regra geral, temos esse tipo de líderes em Portugal?
Temos, sem dúvida, líderes em Portugal com estas competências. De qualquer maneira, haverá outros que terão de desenvolver algumas delas. 

Se, como muitos antecipam, formos assistir a uma maior mobilidade, acredita que isso será benéfico para Portugal? Somos um país atrativo para o talento - em cargos de topo - internacional?
Claramente. Recebemos muitos CV de executivos de topo internacionais que gostariam de se mudar para Portugal. Infelizmente, a dimensão da nossa economia só permite absorver uma pequena parte desses quadros.

E o talento português, é igualmente atrativo internacionalmente?
Também não tenho qualquer dúvida de que sim. Com a adoção por parte de algumas empresas de modelos de trabalho parcial ou maioritariamente em remoto, isso vai permitir abrir as fronteiras no mercado de trabalho como nunca se viu. Executivos portugueses que não demostravam abertura para considerar a expatriação, podem agora ser considerados para trabalhar em empresas fora do país, sem terem de mudar de residência. O contrário também irá acontecer. Empresas portuguesas com dificuldade em encontrar o talento necessário em Portugal, podem, em alguns casos, contratar estrangeiros, mantendo-os a viver no seu local de origem. É claro que não podemos generalizar, nem na adoção do "working from home" como norma para todas as empresas, nem acharmos que agora todas as funções executivas podem ser exercidas a partir de casa.

Esquecendo um pouco as empresas de tecnologia, acredita que vamos de facto assistir a um novo mundo do trabalho, desmaterializado, digamos assim? 
Penso que é uma tendência que já se afigura como imparável. Agora temos de relativizar isto no tempo, e não será daqui a cinco anos que todos estarão nesse cenário. Repare que o tema da sustentabilidade, tão importante nos dias que correm, sobretudo para as novas gerações, também vai fazer o push para que isso aconteça. Uma empresa relevante que não demonstre ter a sustentabilidade ligada com a sua estratégia de negócio, perde valor aos olhos dos investidores, analistas de mercado e clientes e diminui o seu employer branding.

Qual o posicionamento que a Boyden Portugal assume no mundo Boyden? 
O legado que a Boyden Portugal tem no grupo é significativo. Para ter uma ideia, existem cerca de 100 sócios internacionais na Boyden e desde que fui aceite como tal, em 2005, que temos tido dois a três sócios internacionais no escritório, o que está claramente acima da quota natural de Portugal numa empresa internacional. Isto só é possível porque a Boyden Portugal é recorrentemente considerada como pertencendo ao top três dos países com melhor performance a nível global, atendendo ao potencial da economia e à qualidade de entrega dos projetos.

O que o tem mantido motivado ao longo destes 20 anos na Boyden e como encarou o desafio de assumir a sua liderança? 
O que me tem mantido motivado é poder assistir à enorme evolução que a Boyden tem tido e sentir que também contribuí para isso. Passámos de uma empresa de pequena dimensão em Portugal a líderes de mercado. Para isso, muito contribuiu a liderança de estilo mais carismático do Fernando Neves de Almeida; o trabalho de construção de marca e de brand awareness que foi feito; termos, ao longo dos anos, sabido atrair profissionais de muita qualidade para trabalhar connosco, construindo uma equipa de sócios e de consultores de excelência; o elevado compromisso; e uma entrega aos clientes com muita qualidade. Outro fator relevante foi sentir que o Fernando Neves de Almeida acreditava no meu potencial, tendo-me proporcionado um crescimento de carreira mais rápido do que o normal. Repare que fui promovido a sócio local em 2005 e aceite como sócio internacional nesse mesmo ano. Embora o timing em que aconteceu tivesse sido uma surpresa para mim, encarei o desafio de assumir a liderança da Boyden com naturalidade. Sabia que estava na linha de sucessão e era um papel que um dia ambicionava desempenhar. 

Leia a entrevista original na HR Portugal

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